27
Mar 11

Cafurnas


autor: m. parissy (pseudónimo de Mário Galego, Nazaré, 1969)
título: Cafurnas
prefácio: Jaime Rocha
edição: do Autor
local: Nazaré
ano: 2002
págs.: não numeradas [24]
dimensões: 18x14,5x0,2 cm. (brochado)
capa: foto de José Delgado
impressão: Graficar, Carvalhos
tiragem: 500
obs.: duas fotos em extratexto: Jaime Rocha com Lawrence Ferlinghetti na Rua da Bonança; "Mizé Gandaio observando pinturas de Silvino Espalha"; exemplar numerado: 256 / 500
publicado por RAA às 16:37 | comentar | favorito
01
Nov 10

o imaginário da praia

todas as noites da nossa paixão
foram servidas por estandartes
que perduram no imaginário
andávamos atrás de deusas
de casas antigas de marchas de cegadas
de coisas que a história não deixa vestígios

quando procuramos arquivar o passado
tudo se dilui na correria que é entrar de bar em bar
e manter sempre a mesma respiração
é como apagar as chamas de um foguete das festas do sítio
nunca é tarde para o fazer
mas quando nos olhamos
não resistimos ao que resta de nós

(acabei agora de falar com o zé -- o paulo não estava -- e
soube que as cafurnas ainda enrolam a alegria e que o
mistério do voo das gaivotas ainda não foi desvendado)

havemos sempre de beber outra garrafa de vinho
e noutra púrpura noite rasgar a praia toda

m. parissy
publicado por RAA às 17:48 | comentar | favorito
01
Nov 08

CANALIZA

canaliza

com o anoitecer o rapaz toma corpo de vulcão
inicia o percurso que o levará
a preencher o silêncio das imagens

agarrado às fissuras da terra
pousa o caderno e o lápis e voa

havia uma casa a que chamávamos de canaliza
era um edifício inacabado
onde guardávamos as armas
e os brinquedos -- uma ruína
de pó luminoso
pedaços de madeira e restos de tijolos

ali nos perdíamos em sonhos
até que o grito mudo das
gaivotas nos viesse acordar

ali havia rostos de riso e
assim era o castelo enclausurado
no meio da mediocridade e
na fugaz realização do corpo

as mãos flutuavam-nos
por entre gestos de batalhas
às vezes pela esperança
de ter nos dedos
os cheiros das raparigas
a quem dizíamos que tínhamos um castelo

e o anoitecer tornava
verdadeira essa aventura

no cimo dos galhos das árvores
no pátio da escola
se amarravam raparigas
em geral os outros passavam
e eram eles que nos olhavam
translúcidos

uma a uma lhes
enfiávamos dardos envenenados
areia pedras beijos

(é aqui que as mãos flutuantes
tornavam o sonho ainda mais
real e decretávamos ordens
uns aos outros)

a noite trazia ainda
a dimensão de todas
as visões:

um comboio de
livros que parava na mais
secreta estação
aí mergulhávamos
noutros sistemas solares
noutros corpos
noutros segredos que nem
a noite deixava adivinhar
ou
uma praia tão extensa como a nossa
mas que no horizonte mostrava
a porta de um abismo
e sob a areia por entre
as mesmas barcas
dançavam mulheres nuas

e nelas atracávamos as
embarcações feitas de piteira

hoje é a noite que está despedida
e pernoito no lado de lá do
meu fantasma

m. parissy
publicado por RAA às 02:01 | comentar | ver comentários (2) | favorito