27
Dez 16

HOMERO

Escrever o poema como um boi lavra o campo

Sem que tropece no metro o pensamento

Sem que nada seja reduzido ou exilado

Sem que nada separe o homem do vivido

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, 

O Búzio de Cós e Outros Poemas (1997)

publicado por RAA às 01:54 | comentar | favorito
11
Abr 16

SALGUEIRO MAIA

Aquele que na hora da vitória

Respeitou o vencido

 

Aquele que deu tudo e não pediu paga

 

Aquele que na hora da ganância

Perdeu o apetite

 

Aquele que amou os outros e por isso

Não colaborou com sua ignorância ou vício

 

Aquele que foi «Fiel à palavra dada à ideia tida»

Como antes dele mas também por ele

Pessoa disse

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, Musa (1994)

publicado por RAA às 00:34 | comentar | favorito (1)
06
Abr 16

ORIENTE

Este lugar amou perdidamente

Quem o cabo rondou o extremo Sul

E a costa indo seguindo para Oriente

Viu as ilhas azuis do mar azul

...........................................................

Viu pérolas safiras e corais

E a grande noite parada e transparente

Viu cidades e nações viu passar gente

De leve passo e gestos musicais

 

Perfumes e tempero descobriu

E danças moduladas por vestidos

Sedosos flutuantes e compridos

E outro nasceu de tudo quanto viu

.............................................................

 

1988

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, O Búzio de Cós (1994)

publicado por RAA às 18:38 | comentar | ver comentários (4) | favorito
28
Mar 12

ONDAS

Onde -- ondas -- mais belos cavalos

Do que estes ondas que vós sois

Onde mais bela curva do pescoço

Onde mais longas crinas sacudidas

Ou impetuoso arfar no mar imenso

Onde tão ébrio amor em vasta praia.

 

Dezembro 89

 

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

 

 

publicado por RAA às 00:30 | comentar | ver comentários (3) | favorito
09
Mar 12

ARTE POÉTICA

A dicção não implica estar alegre ou triste

Mas dar minha voz à veemência das coisas

E fazer do mundo exterior substância da minha mente

Como quem devora o coração do leão.

 

Olha fita escuta

Atenta para a caçada no quarto penumbroso

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

publicado por RAA às 00:18 | comentar | favorito
11
Jul 11

CIDADE, RUMOR E VAIVÉM

Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes, e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.

Sophia de Mello Breyner Andresen
publicado por RAA às 14:40 | comentar | favorito
21
Jun 11

A FORMA JUSTA

Sei que seria possível construir um mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O ar e o mar e a luz estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra em que estamos se ninguém atraiçoasse proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do Universo
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é o meu ofício de poeta para a reconstrução do Mundo.

Sophia de Mello Breyner Andresen
publicado por RAA às 14:37 | comentar | favorito
12
Jun 11

O Búzio de Cós e Outros Poemas

autor: Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 6.XI.1919 -- Lisboa, 2.VII.2004)
título: O Búzio de Cós e Outros Poemas
edição: 3.ª (1.ª edição, 1997)
editora: Editorial Caminho
local: Lisboa
ano: 1999
págs.: 40
dimensões: 21x14,6x0,4 cm. (brochado)
capa: José Serrão
impressão: Tipografia Lousanense
tiragem: 2000
publicado por RAA às 20:18 | comentar | favorito
17
Nov 10

AS ROSAS

Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.

Sophia de Mello Breyner Andresen
publicado por RAA às 14:23 | comentar | favorito
10
Nov 10

QUANDO O MEU CORPO...

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão ao pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.

Sophia de Mello Breyner Andresen
publicado por RAA às 12:42 | comentar | favorito