TERCEIRO POEMA DO PESCADOR

Sou apenas a cinza de uma estrela

um viajante de passagem

o rastro de uma bola de fogo arrefecida

um resto

neurónios nervos músculos ossos células

matéria perecível transformável

um bípede de fala e de guitarra

carregado de versos e metáforas

um metro e setenta e cinco de um planeta condenado

amanhã não serei senão uma faísca

um relâmpago na noite

uma faúlha

a sombra de uma sombra ou outra forma de energia

sou o último som de uma última sílaba

uma fórmula um acto uma alquimia

um desastre de Deus na escuridão do além

rosto nenhum corpo de nada

ou talvez a lágrima luminosa

de ninguém.

Lisboa, 31.12.96

 

Manuel Alegre, Senhora das Tempestades (1998) 

publicado por RAA às 23:40 | comentar | favorito (1)